segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Movimento grevista avança nas universidades federais

A postagem desta semana é um texto de Ricardo Prestes Pazello falando sobre a situação da greve nas Universidades Federais.

Fonte: Brasil de Fato.



O mais importante em uma conjuntura de greve é reunir os atores que constituem a educação universitária

01/09/2011


Construir um movimento grevista, em uma época em que o pensamento único se institucionalizou quase completamente, é muito difícil. Ainda que suas reivindicações sejam as mais legítimas. Mesmo assim, a atual conjuntura brasileira tem propiciado alguns esboços importantes dos trabalhadores em suas mobilizações. Desde junho de 2011, o movimento docente das universidades federais tem dado mostras de que o velho monstro adormecido pode levantar a cabeça a qualquer momento e continuar sua luta por condições dignas para o trabalho na educação superior.

Embora o movimento docente brasileiro não esteja completamente unificado (existem dois sindicatos nacionais, Andes e Proifes), têm repercutido nacionalmente as recentes mobilizações dos professores no sentido de construírem uma greve nacional. Em várias assembléias tem-se decidido por indicativos e deflagrações de greve. Em três universidades federais, a greve já foi deflagrada; em mais de uma dezena delas, há o indicativo da greve; as demais ainda estão por realizar suas assembléias gerais.

A greve na UFPR

Em uma das universidades federais mais conservadoras do país, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a greve foi recém-deflagrada, tendo sido a segunda no país a efetivar sua decisão. Depois da Universidade Federal do Tocantins (UFT), que iniciou sua greve em 26 de junho, é a UFPR que continua o processo de greve, tendo paralisado as atividades docentes no dia 19 de julho. Logo em seguida, foi sucedida pela Universidade Federal do Mato Grosso, no dia 25.

Por mais que o movimento paredista tenha se desenvolvido para conseguir ganhos concretos no contexto da aprovação da Lei Orçamentária, que tem sua data limite de votação no dia 31 de agosto, ele se apresenta como uma mobilização que não se restringe a uma pauta meramente corporativista, em que o objetivo maior é o aumento salarial. Sem dúvida, este é muito importante, mas há muito mais coisas em jogo.

Em abril, a Andes procurou iniciar as negociações com o governo federal, no entanto apenas em julho teve início alguma forma de retorno. Frente às demandas dos professores federais, o governo propôs soluções marginais ao problema enfrentado pelos docentes, inclusive no âmbito salarial. Primeiramente, sugeriu criar mais um conjunto de níveis na carreira dos docentes, hoje já composta por 17 níveis. Seriam, portanto, 21 níveis. No entanto, a rejeição desta proposta foi ampla, uma vez que não resolvia os problemas concretos do professorado, além de jogar para o futuro um aumento salarial para uma parcela minoritária do corpo docente.

Outra resposta foi a chamada “proposta limite”, em que se realizaria uma incorporação de uma das duas gratificações que constituem o holerite dos professores ao seu vencimento básico e um reajuste salarial de 4%. Ainda que nacionalmente a proposta possa vir a ser aceita pelo conjunto das associações docentes (ADs) e mesmo pelo sindicato nacional, na UFPR decidiu-se pela recusa.

A decisão ocorreu após acalorada assembléia geral da categoria, em Curitiba, 23 de agosto, em que houve ponderação acerca de algumas soluções de compromisso que a proposta também trazia (como necessidade de reestruturação da carreira e equiparação salarial com os funcionários públicos das áreas da ciência e tecnologia não vinculados às universidades). Por maioria de votos, os professores da UFPR optaram por rejeitar o pequeno reajuste do governo.

Esta assembléia é a quarta realizada pelo movimento docente da UFPR. Em nenhuma delas houve um quórum menor que 250 e professores, um feito para a instituição que vivenciou sua última greve há 10 anos, em 2001. O que explica a crescente mobilização dos professores, mesmo diante de um cenário pouco propício a vitórias salariais e estruturais no plano nacional, é o acúmulo de pendências locais, que acabam agravando os problemas que são de âmbito federal.

Segundo o presidente da Associação dos Professores da UFPR (APUFPR), Luis Allan Künzle, mesmo que não haja uma greve nacional, a pauta local merece ser resolvida. Assim, internamente, os professores da UFPR têm reivindicado mecanismos de agilidade e transparência na progressão da carreira, limitação da carga horária em sala de aula – já que universidade não é sinônimo apenas de ensino, mas também de pesquisa e extensão – e do número de estudantes em sala, assim como correção em distorções levadas a cabo com a implementação dos projetos de expansão das vagas estudantis na universidade, como o programa Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).

Dessa forma, mesmo que não haja forte adesão nacional à greve dos professores, localmente as pautas internas permitem a continuidade da mobilização e da paralisação das atividades docentes.

A dimensão comunitária da greve nas universidades federais

O mais importante, entretanto, em uma conjuntura de greve no seio da universidade pública, é reunir os professores com os demais atores que constituem a educação universitária. Na UFPR, esta necessidade se concretizou. Depois de uma assembléia geral comunitária com mais de 700 professores, servidores e estudantes no Teatro da Reitoria, o movimento grevista se unificou. Os servidores técnico-administrativos já estavam em processo de greve desde 15 de junho e os estudantes também haviam deflagrado o seu processo político de greve, a 4 de agosto.

A luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade se unificou, mostrando a importância dos servidores para a gestão e organização da universidade, bem como o protagonismo estudantil no processo educativo.

A pauta unificada permitiu observar a totalidade do processo de desmonte da universidade pública, já que as reivindicações passam por melhoria na estrutura dos prédios, dos acervos bibliográficos ou nas condições laboratoriais, bem como por questões centrais ao mundo do trabalho, como precarização e terceirização do serviço público, frente aos quais o movimento se contrapõe, ou necessidade de aumento de bolsas e de contratações, para não falar nas históricas demandas por democracia, a partir de paridade qualificada, nas instâncias consultivas e deliberativas da universidade.

Limites e alcances do direito de greve

Ainda que o movimento grevista não atinja seus objetivos mais imediatos, ele tem permitido gestar um horizonte importante na luta popular. Reivindicando, nacionalmente, os 10% do PIB para a educação pública, a mobilização coloca em primeiro plano a necessidade de acesso à educação e distribuição equânime da riqueza do país.

Para a professora Shirley Andrade, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), a primeira universidade federal que assistiu a seus docentes deflagrando greve, percebe-se uma grande indignação com a forma como se vem encaminhando a educação brasileira: “neste momento emergencial somente estamos discutindo a questão salarial e ainda assim há todo este desrespeito”, disse a professora, referindo-se à proposta limite do governo.

As greves de técnicos e professores ainda põem em destaque outros problemas que afligem o mundo do trabalho e as relações sindicais, no Brasil. Por um lado, há ênfase de todos esses movimentos em repelir vários projetos de lei (PLs) que abrem brechas para a privatização do espaço público, como o PL 1749/2011, que privatiza a saúde e a educação, precarizando o SUS e os hospitais universitários; o PL 92/2007, que regula as fundações estatais de direito privado; e o PL 549/2009, que permite congelar os salários dos servidores públicos por 10 anos.

Por outra parte, a questão sindical aparece como o alvo preferido das classes dominantes do país, dentro dos três poderes. Especialmente, no Judiciário, ao haver julgamento sobre a legalidade das greves, costuma-se restringir o conteúdo e alcance do movimento grevista por decisão judicial. Ou, ainda, se estimular atos antissindicais, que acabam por perseguir e desmobilizar os trabalhadores.

Também, o incentivo à utilização de artimanhas jurídicas como a da ordem do “Interdito proibitório”, ato pelo qual se pode proibir uma greve antes mesmo dela ocorrer. Por fim, no caso específico do serviço público, considerá-lo como essencial e, por decorrência, não passível de paralisação dos trabalhadores, fato que ocorreu com os servidores técnico-administrativos da UFPR, impelidos a retomarem 50% de suas atividades por desempenharem uma função essencial.

O direito de greve põe a nu a totalidade das relações políticas que colonizam as decisões jurídicas. É a greve uma conquista dos trabalhadores e não pode ser ofuscada pelas classes dirigentes do país, tanto mais quando se trata de educação pública.

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