sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Descriminalização do Aborto

Dia 28 de setembro foi o dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Nesta data, diversas manifestações ocorreram, em São Paulo o local escolhido pelas feministas foi a praça da Matriarca.




O texto de Gabriela Moncau fala sobre o protesto, alguns índices e situação da legalização do aborto no Brasil.

Fonte Caros Amigos


Uma mulher caída no chão, com as mãos atadas e os pés descalços. De um lado, um homem com uma cruz pendurada no pescoço e um chapéu de padre e de outro, um homem com a túnica de um juiz. Os dois esbravejando. As pessoas que passavam apressadas em seu horário de almoço pela praça da Matriarca – como foi rebatizada pelas feministas em outra ocasião, quando botaram saias na estátua do patriarca e alteraram as placas da praça – paravam e observavam a peculiar intervenção teatral no centro da capital paulista.
A peça, interpretada pelo grupo de teatro Impávida Troupe em parceria com a ONG Católicas pelo Direito de Decidir, tem um título auto-explicativo: “O Julgamento”. A intervenção fez parte da manifestação realizada São Paulo para marcar o 28 de setembro, dia latino-americano e caribenho pela legalização do aborto.
Organizado pela Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto – articulação nacional de organizações e independentes que surgiu em 2008 – o ato em São Paulo consistiu em uma panfletagem e diálogo com os freqüentadores do centro. “Sou absolutamente contra a legalização, isso é um atentado contra a vida”, opinou Antônio Ribeiro, advogado que passava por lá. Com exceção de alguns poucos que se retiravam do local irritados ou ofendidos, a maioria dos que paravam com o panfleto na mão conversavam tranquilamente com as manifestantes.
“É pecado”, “Se legalizar, as mulheres vão ficar abortando como método contraceptivo”, “Aborto é assassinato”, era a maior parte dos argumentos que contestavam a defesa das mulheres por autonomia sobre seus próprios corpos. No entanto, quase todos respondiam afirmativamente ao serem questionados se conheciam alguma mulher que já tinha realizado aborto. “E você acredita que ela deveria ser presa por isso?”, a maioria dizia que não. “Minha namorada fez aborto recentemente”, dizia outro, se contrapondo aos que falavam pejorativamente das que interrompem a gravidez.
Os debates, em geral, foram qualificados, pautando a laicidade do Estado, o sistema de saúde pública, dados de países que já tem o aborto legalizado (atualmente mais de 1/3 do mundo), a liberdade individual de decisão sobre o próprio corpo, etc. “Eu que vou parir! Eu quero decidir!”, cantavam as feministas ao final da intervenção.
Os números
De acordo com o relatório Morte e negação: abortamento inseguro e pobreza, divulgado em 2007 pela Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), a cada ano são realizados 46 milhões de abortos no mundo, dos quais 19 milhões são feitos de forma insegura. Dos procedimentos inseguros, 96% são feitos em países considerados em “desenvolvimento”. Na América Latina foram registrados 17% dos abortos clandestinos, ficando atrás somente da África, com 58%. Somente no Brasil a cifra anual é de aproximadamente 1,4 milhão de abortos. A cada 7 brasileiras, 1 já realizou um aborto.
A ineficácia da proibição no que diz respeito a inibir as interrupções de gravidez se reverte na alta taxa de mortalidade feminina diante da impossibilidade do sistema de saúde pública dar assistência para essas mulheres. Todos os anos, a prática de abortos inseguros leva 240 mil mulheres à internação no país. Entre essas, 25% ficam estéreis e 9% não sobrevivem, de modo que o aborto inseguro é a terceira maior causa de morte materna no Brasil. Ainda segundo a mesma pesquisa, os números indicam maior gravidade do problema no Nordeste, não por acaso região com maior índice de pobreza, onde a taxa de mortalidade é de 2,73 a cada 100 mulheres que abortam.
“Pesquisas revelam que as mulheres que decidem interromper uma gravidez indesejada são, em sua maioria, mulheres de 20 a 29 anos, que vivem em relacionamentos estáveis e decidem pelo aborto em conjunto com seus companheiros”, informa o panfleto da Frente. “Além disso, são mães, fazem uso regular de anticonceptivos e se declaram católicas”, aponta, contrapondo-se ao senso comum que diz pejorativamente que quem pratica aborto são apenas mulheres que não usam nenhum método contraceptivo e/ou que tem uma série de parceiros sexuais.
Avanço conservador
A Frente pela Legalização do Aborto aproveitou o 28 de setembro para coletar assinaturas em um abaixo-assinado nacional que está sendo organizado contra o Estatuto do Nascituro. Trata-se de um Projeto de Lei (PL 478/07) elaborado em 2007 pelos deputados Luiz Bassuma (PT/BA) e Miguel Martini (PHS/MG) com colaboração da deputada Solange Almeida (PMDB/RJ) que dá ao embrião personalidade jurídica desde o momento da concepção, criminalizando o aborto em qualquer condição, mesmo que a gravidez traga risco de morte à mulher ou seja resultado de estupro (situações em que a legislação brasileira datada de 1940 permite o aborto). O Estatuto do Nascituro prevê, ainda, pena de 1 a 3 anos para a mulher que interromper a gravidez e detenção de 6 meses a 1 ano e multa a qualquer manifestação pública a favor da legalização do aborto. O PL já foi aprovado na Comissão de Seguridade e Família e segue tramitando por comissões da Câmara.
Além desse risco iminente de um retrocesso na já limitada legislação brasileira, os governos Lula e Dilma não têm anunciado perspectivas favoráveis para essa bandeira tão cara às feministas. A supressão dos pontos favoráveis à descriminalização do aborto do Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 e o pacto de reciprocidade entre Brasil e Vaticano durante o governo Lula, o recuo de Dilma nas eleições presidenciais frente à pressão das igrejas católica e evangélica com a “Carta ao Povo de Deus”, o enfraquecimento do PAISM (Programa de Atendimento Integral à Saúde da Mulher) e a criação de programas como o Rede Cegonha que a partir de um cadastro faz o controle se a gravidez da mulher chegou até o fim (não por acaso apoiado com entusiasmo pela Frente Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto), são alguns exemplos de ataques a que as feministas vêm tentando resistir.
O Congresso Nacional tampouco tem se mostrado simpatizante à causa, passando longe da concepção de Estado laico. É de lá que tem saído iniciativas como a CPI do Aborto, o bolsa-estupro, a proposta de proibição da distribuição gratuita de camisinha, entre outras. Fora das instâncias governamentais, a discussão também não tem se mostrado fácil. Em julho desse ano, a marcha dos evangélicos reuniu cerca de 20 mil pessoas em Brasília contra a legalização do casamento homoafetivo, da maconha e do aborto. “Grupos religiosos que dizem defender a vida são os mesmos que fecham os olhos diante de denúncias de pedofilia e violência sexual, que desejam proibir distribuição de anticoncepcionais”, afirma o panfleto distribuído pela Frente pela Legalização do Aborto, que termina: “Não iremos tolerar a hipocrisia desses homens que nunca engravidarão, mas desejam regular os nossos corpos e se silenciam diante da morte de milhares de mulheres”.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Estudantes no Chile a luta pela Educação “Pública, de qualidade e gratuita”


O texto dessa semana é sobre as manifestações dos estudantes no Chile, iniciada no dia 24 de agosto com o primeiro “Paro Nacional”, onde cerca de 50% dos trabalhadores pararam. Os estudantes protestam contra o sistema de privatização da educação em todos os níveis implementado da ditadura Pinochet. Veja também uma entrevista com a estudante Amanda Rozas, membro do FR-IC (FR-Esquerda Comunista) sobre a situação da crise na educação chilena.

No dia 8 de setembro os estudantes não houve acordo com as propostas do governo e organizam nova paralisação na próxima quinta.

Foto: Gabrielle Ferrara.


Texto de Antonio Luiz M. C. Costa publicado na Carta Capital.

Os indignados do Sul

Embora a economia cresça, a juventude põe em questão o neoliberalismo sem mobilidade social legado por Pinochet. Foto: Martin Bernett/AFP

Os indignados do Chile, segundo o falido pensamento único, não deviam existir. Pois o país- não era a vitrine do neoliberalismo, um sucesso sob todos os pontos de vista? O crescimento econômico não vai mal: ainda se aposta oficialmente em mais de 6%, quando a média esperada para a América Latina, segundo a Cepal, é de 4,4%, e o Brasil projeta 3,7%.

Mas o Peru tem crescido ainda mais – deve superar os 7% em 2011 – em meio a protestos sociais e seus últimos governos têm terminado com baixíssima popularidade. No Chile, como no Peru, uma parte excessiva do crescimento beneficia apenas as empresas estrangeiras e a elite, enquanto muitos veem sua fatia diminuir em termos relativos ou estagnar em termos absolutos, sem perspectiva de melhora. Ao contrário do Brasil, que, apesar do desempenho mediano do PIB, proporcionou forte crescimento às regiões e camadas mais pobres, resultando em um governo popular e na queda do índice de desigualdade de Gini de 0,59, em 2001, para 0,53, em 2010, enquanto o do Chile estagnou em perto de 0,55, desde os anos 1990.

O estopim foi a educação. A legitimidade de uma sociedade capitalista moderna depende da crença na mobilidade social vinculada à iniciativa e ao mérito, que por sua vez exige que se acredite que a educação pública pode proporcionar essa oportunidade a todos que a mereçam.

Mas a transformação do Chile em campo de provas do neoliberalismo pelo falecido ditador Augusto Pinochet e seus assessores da Escola de Chicago desmantelou boa parte da educação gratuita para subsidiar o ensino privado pago. O país gasta 3,7% do PIB com educação (ante 6,5% da Argentina e 5,4% do Brasil em 2010, este devendo chegar a 7% em 2011), enquanto os gastos privados são de 2,7% (ante 1,3% no Brasil).

As subvenções, proporcionais ao número de alunos presentes nas aulas, representam 60% do gasto do Ministério da Educação. Segundo Milton Friedman, o sistema que idealizou promoveria a concorrência e proporcionaria livre escolha entre escolas públicas e privadas. Na prática, reproduz e amplia as desigualdades.

As melhores escolas privadas subvencionadas burlam as exigências oficiais e vetam alunos de origem humilde para garantir seu desempenho e perfil social, mesmo que suas famílias queiram pagar as taxas adicionais, até -quatro -vezes superiores ao valor subvencionado. Continuam tão elitistas quanto antes – só que as elites agora pagam menos do que poderiam, graças à subvenção que sai dos bolsos de todos os chilenos, inclusive os mais pobres.

Ao mesmo tempo, nas escolas públicas, que deixam de ser gratuitas a partir do ensino médio, a soma das mensalidades pagas pelos pais com a subvenção por presença é insuficiente, inclusive porque esses alunos faltam mais. É pior nos bairros e municípios pobres, se as prefeituras não dão subsídios além dos nacionais e não há empresas privadas para patrocinar o ensino técnico. Material escolar e uniformes (obrigatórios em todas as escolas) também são pagos. As famílias pobres demais para pagar são em tese isentas de contribuição, mas são pressionadas, humilhadas e na prática excluídas.

Para os estudantes liderados por Vallejo (acima), a educação os restringe, em vez de abrir de abrir perspectivas. Foto: Martin Bernett/AFP

Não há ensino superior gratuito e os alunos sem recursos têm de recorrer ao crédito educativo e arcar com dívidas da ordem de 30 mil dólares a juros de 5% ou mais, que levarão até 20 anos para pagar. Naturalmente, os desfavorecidos nos ensinos fundamental e médio têm dificuldades em conseguir um ensino superior de boa qualidade – ou de qualquer qualidade –, terão mais dificuldades para pagar e, mesmo que tenham boas notas, serão preteridos no mercado de trabalho em favor daqueles que cursaram “boas” escolas. O tratamento pretensamente igual dos desiguais agrava a desigualdade.

O primeiro grande protesto estudantil, a Revolta dos Pinguins (alusão ao uniforme característico dos estudantes chilenos) aconteceu em 2006, mas este ano alcançaram proporções muito maiores. Ao descontentamento da juventude politizada com o conservador Sebastián Piñera somaram-se o mau desempenho do governo ao socorrer os desabrigados pelo terremoto de fevereiro de 2010 e sua arrogância repressiva no trato com manifestantes, inclusive indígenas que reivindicaram a devolução de suas terras e ambientalistas que protestam contra novas represas na Patagônia.

“Nada é de graça nesta vida”, respondeu às exigências de ensino gratuito quando as mobilizações cresceram, apesar da promessa de bolsas de estudo para os 40% de estudantes mais pobres – e elas cresceram mais ainda. Desde junho, grande parte das escolas está parada, muitas delas ocupadas. Manifestações mobilizam centenas de milhares de estudantes, pais e professores a cada vez. Pelo menos 30 estudantes estão em greve de fome há seis semanas. A CUT chilena somou seu apoio e suas reivindicações, paralisando o serviço público nos dias 24 e 25 de agosto. Indígenas e ambientalistas também trazem as suas e as propostas convergem na reivindicação de uma ampla reforma constitucional para varrer o entulho pinochetista e concluir a transição iniciada em 1988.

A direita, que esperou 20 anos pela oportunidade de voltar a radicalizar o modelo social e econômico amenizado pela Concertación, não se conforma em ver a oportunidade escapar em menos de dois anos de governo. Se mata a la perra y se acaba la leva, tuitou a secretária-executiva do Conselho do Livro, no Ministério da Cultura, referindo-se à líder estudantil Camila Vallejo, porta-voz mais visível dos protestos e repetindo uma frase de Pinochet usada em relação a Salvador Allende. Outros funcionários se encarregaram de divulgar o endereço e telefone da presidenta do diretório estudantil da Universidade do Chile e fazer ameaças mais explícitas.

Vallejo recebeu oficialmente proteção da polícia. Que tentou esconder que baleou e matou um adolescente de 16 anos que acompanhou o irmão cadeirante aos protestos do dia 25. Depois que o comando alegou que o tiro partira dos manifestantes e se recusou a investigar, um carabineiro denunciou um colega, resultando na prisão deste e no afastamento de seus superiores. Como todo o sistema chileno, também a polícia está em questão. •

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Movimento grevista avança nas universidades federais

A postagem desta semana é um texto de Ricardo Prestes Pazello falando sobre a situação da greve nas Universidades Federais.

Fonte: Brasil de Fato.



O mais importante em uma conjuntura de greve é reunir os atores que constituem a educação universitária

01/09/2011


Construir um movimento grevista, em uma época em que o pensamento único se institucionalizou quase completamente, é muito difícil. Ainda que suas reivindicações sejam as mais legítimas. Mesmo assim, a atual conjuntura brasileira tem propiciado alguns esboços importantes dos trabalhadores em suas mobilizações. Desde junho de 2011, o movimento docente das universidades federais tem dado mostras de que o velho monstro adormecido pode levantar a cabeça a qualquer momento e continuar sua luta por condições dignas para o trabalho na educação superior.

Embora o movimento docente brasileiro não esteja completamente unificado (existem dois sindicatos nacionais, Andes e Proifes), têm repercutido nacionalmente as recentes mobilizações dos professores no sentido de construírem uma greve nacional. Em várias assembléias tem-se decidido por indicativos e deflagrações de greve. Em três universidades federais, a greve já foi deflagrada; em mais de uma dezena delas, há o indicativo da greve; as demais ainda estão por realizar suas assembléias gerais.

A greve na UFPR

Em uma das universidades federais mais conservadoras do país, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a greve foi recém-deflagrada, tendo sido a segunda no país a efetivar sua decisão. Depois da Universidade Federal do Tocantins (UFT), que iniciou sua greve em 26 de junho, é a UFPR que continua o processo de greve, tendo paralisado as atividades docentes no dia 19 de julho. Logo em seguida, foi sucedida pela Universidade Federal do Mato Grosso, no dia 25.

Por mais que o movimento paredista tenha se desenvolvido para conseguir ganhos concretos no contexto da aprovação da Lei Orçamentária, que tem sua data limite de votação no dia 31 de agosto, ele se apresenta como uma mobilização que não se restringe a uma pauta meramente corporativista, em que o objetivo maior é o aumento salarial. Sem dúvida, este é muito importante, mas há muito mais coisas em jogo.

Em abril, a Andes procurou iniciar as negociações com o governo federal, no entanto apenas em julho teve início alguma forma de retorno. Frente às demandas dos professores federais, o governo propôs soluções marginais ao problema enfrentado pelos docentes, inclusive no âmbito salarial. Primeiramente, sugeriu criar mais um conjunto de níveis na carreira dos docentes, hoje já composta por 17 níveis. Seriam, portanto, 21 níveis. No entanto, a rejeição desta proposta foi ampla, uma vez que não resolvia os problemas concretos do professorado, além de jogar para o futuro um aumento salarial para uma parcela minoritária do corpo docente.

Outra resposta foi a chamada “proposta limite”, em que se realizaria uma incorporação de uma das duas gratificações que constituem o holerite dos professores ao seu vencimento básico e um reajuste salarial de 4%. Ainda que nacionalmente a proposta possa vir a ser aceita pelo conjunto das associações docentes (ADs) e mesmo pelo sindicato nacional, na UFPR decidiu-se pela recusa.

A decisão ocorreu após acalorada assembléia geral da categoria, em Curitiba, 23 de agosto, em que houve ponderação acerca de algumas soluções de compromisso que a proposta também trazia (como necessidade de reestruturação da carreira e equiparação salarial com os funcionários públicos das áreas da ciência e tecnologia não vinculados às universidades). Por maioria de votos, os professores da UFPR optaram por rejeitar o pequeno reajuste do governo.

Esta assembléia é a quarta realizada pelo movimento docente da UFPR. Em nenhuma delas houve um quórum menor que 250 e professores, um feito para a instituição que vivenciou sua última greve há 10 anos, em 2001. O que explica a crescente mobilização dos professores, mesmo diante de um cenário pouco propício a vitórias salariais e estruturais no plano nacional, é o acúmulo de pendências locais, que acabam agravando os problemas que são de âmbito federal.

Segundo o presidente da Associação dos Professores da UFPR (APUFPR), Luis Allan Künzle, mesmo que não haja uma greve nacional, a pauta local merece ser resolvida. Assim, internamente, os professores da UFPR têm reivindicado mecanismos de agilidade e transparência na progressão da carreira, limitação da carga horária em sala de aula – já que universidade não é sinônimo apenas de ensino, mas também de pesquisa e extensão – e do número de estudantes em sala, assim como correção em distorções levadas a cabo com a implementação dos projetos de expansão das vagas estudantis na universidade, como o programa Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).

Dessa forma, mesmo que não haja forte adesão nacional à greve dos professores, localmente as pautas internas permitem a continuidade da mobilização e da paralisação das atividades docentes.

A dimensão comunitária da greve nas universidades federais

O mais importante, entretanto, em uma conjuntura de greve no seio da universidade pública, é reunir os professores com os demais atores que constituem a educação universitária. Na UFPR, esta necessidade se concretizou. Depois de uma assembléia geral comunitária com mais de 700 professores, servidores e estudantes no Teatro da Reitoria, o movimento grevista se unificou. Os servidores técnico-administrativos já estavam em processo de greve desde 15 de junho e os estudantes também haviam deflagrado o seu processo político de greve, a 4 de agosto.

A luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade se unificou, mostrando a importância dos servidores para a gestão e organização da universidade, bem como o protagonismo estudantil no processo educativo.

A pauta unificada permitiu observar a totalidade do processo de desmonte da universidade pública, já que as reivindicações passam por melhoria na estrutura dos prédios, dos acervos bibliográficos ou nas condições laboratoriais, bem como por questões centrais ao mundo do trabalho, como precarização e terceirização do serviço público, frente aos quais o movimento se contrapõe, ou necessidade de aumento de bolsas e de contratações, para não falar nas históricas demandas por democracia, a partir de paridade qualificada, nas instâncias consultivas e deliberativas da universidade.

Limites e alcances do direito de greve

Ainda que o movimento grevista não atinja seus objetivos mais imediatos, ele tem permitido gestar um horizonte importante na luta popular. Reivindicando, nacionalmente, os 10% do PIB para a educação pública, a mobilização coloca em primeiro plano a necessidade de acesso à educação e distribuição equânime da riqueza do país.

Para a professora Shirley Andrade, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), a primeira universidade federal que assistiu a seus docentes deflagrando greve, percebe-se uma grande indignação com a forma como se vem encaminhando a educação brasileira: “neste momento emergencial somente estamos discutindo a questão salarial e ainda assim há todo este desrespeito”, disse a professora, referindo-se à proposta limite do governo.

As greves de técnicos e professores ainda põem em destaque outros problemas que afligem o mundo do trabalho e as relações sindicais, no Brasil. Por um lado, há ênfase de todos esses movimentos em repelir vários projetos de lei (PLs) que abrem brechas para a privatização do espaço público, como o PL 1749/2011, que privatiza a saúde e a educação, precarizando o SUS e os hospitais universitários; o PL 92/2007, que regula as fundações estatais de direito privado; e o PL 549/2009, que permite congelar os salários dos servidores públicos por 10 anos.

Por outra parte, a questão sindical aparece como o alvo preferido das classes dominantes do país, dentro dos três poderes. Especialmente, no Judiciário, ao haver julgamento sobre a legalidade das greves, costuma-se restringir o conteúdo e alcance do movimento grevista por decisão judicial. Ou, ainda, se estimular atos antissindicais, que acabam por perseguir e desmobilizar os trabalhadores.

Também, o incentivo à utilização de artimanhas jurídicas como a da ordem do “Interdito proibitório”, ato pelo qual se pode proibir uma greve antes mesmo dela ocorrer. Por fim, no caso específico do serviço público, considerá-lo como essencial e, por decorrência, não passível de paralisação dos trabalhadores, fato que ocorreu com os servidores técnico-administrativos da UFPR, impelidos a retomarem 50% de suas atividades por desempenharem uma função essencial.

O direito de greve põe a nu a totalidade das relações políticas que colonizam as decisões jurídicas. É a greve uma conquista dos trabalhadores e não pode ser ofuscada pelas classes dirigentes do país, tanto mais quando se trata de educação pública.